Page 75 - Revista Salesiano
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Finalmente, o Capgras se virou indignado com a de fios azulados.  Passei alguns segundos processando aquela breve e conturbada reunião.
              Coloquei o dólar embaixo do pires antes de adiantar o passo para fora do

  — Nós trabalhamos juntos, Guillermo não é mais meu superior para pre-  estabelecimento e entrar, pela terceira vez no dia, em meu veículo. Dessa
 cisar de “substituição”. — Conseguia ver a irritação surgir claramente em   vez, a música que tocava na rádio era “Paying The Cost To Be The Boss”

 sua expressão. Seu capuccino já havia acabado, mas aproveitei para dar   de B.B. King, uma melodia animada e recheada de toques da guitarra,
 um gole em meu café. — É só uma colaboração externa.  acompanhada pela exímia banda, The Rolling Stones.


  — Se isso te faz se sentir melhor, querido. — Falou no mesmo tom de   Pensamentos e mais pensamentos rondavam minha mente, mais do que

 desdém, tocando o ombro de Howard com a destra. — Sei o que está ten-  já estavam antes de adentrarem aquele bar. Miriam era suspeita, mas
 tando fazer.  não da forma que desejava. Ela aparentava saber mais do que aquilo que

              falou em voz alta, além da sua conveniente aparição. Balançava a cabeça
  — Eu não- Quer saber? — Ele se levantou de supetão, arrumando o so-  em negação, pensando na possibilidade da mulher ser uma espécie de en-

 bretudo em seguida. — Preciso ir à delegacia.  tidade ou algo do tipo, nem ao menos acreditava num absurdo daquele. A
              ideia fez com que um riso soprado escapasse. Era impossível, uma piada.

  — Vou lhe acompanhar. — Miriam fez o mesmo, de forma delicada en-
 quanto me olhava com um sorriso no canto dos lábios. — Tenho que con-  Distraído com todos os acontecimentos posteriores, o caminho até a con-

 versar com Tao.  feitaria de Rodríguez ao norte da cidade pareceu mais curto que a ida ao
              estabelecimento anterior, mesmo que a distância fosse quase a mesma.

  — Você conhece Huening? — Me levantei logo depois, já tendo terminado   Saindo do Impala, observei a frente do local, já ouvindo uma música con-
 a bebida. Tirava minha carteira do bolso, procurando a nota que equiva-  fortável vindo de dentro da doceria. Verde escuro em tons pastéis toma-

 lia ao preço do café.   vam a arquitetura simples da loja, combinando com as variadas plantas
              abaixo das janelas e próximas à placa com letras cursivas em amarelo

 Sem paciência, Howard apenas assentiu com a cabeça em minha direção,   suave escrito “La Dulcería”, tendo a porta da mesma coloração. Admito,
 logo se colocando a caminhar para a saída em passos rápidos e pesados.   a aparência agradável do lugar já me fez questionar se meu objetivo ali

 O sorriso de Cotard crescera, indo atrás do acastanhado sem a mínima   seria mesmo procurar respostas sobre aquele caso tão confuso ou sim-
 pressa. Ela virou o corpo, fazendo contato visual comigo e tendo a cara de   plesmente comer um bolo enquanto tomo café e leio jornal.

 pau de me dar um tchauzinho.
              Entrando ali, o cheiro doce imediatamente adentrou minhas narinas,

 — Conheci no dia do seminário. — A de íris púrpura falou num tom mais   nem ao menos sendo enjoativo. No caixa, uma mulher negra, baixa, com
 alto pela distância, se virando para frente quando próxima da saída. As-  cabelos longos e trançados, me fitava com um misto de expectativa e té-

 sim, os dois foram embora do bar, mas deixaram alguns questionamen-  dio. Me aproximei, olhando o interior daquele ambiente tão familiar uma
 tos. Quem era aquela mulher e como fez Howard falar praticamente tudo   outra vez durante a curta caminhada. As paredes, assim como a fachada,

 o que tínhamos para ela?  eram de cor verde escuro, quase musgo, com batentes amarelados. Assen-
              tos afogados aos cantos em padrão lanchonete eram marrons, percebendo

              a paleta de cores de um girassol que o estabelecimento seguia, tendo me-
              sas da mesma coloração.
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