Page 74 - Revista Salesiano

Finalmente, o Capgras se virou indignado com a de fios azulados.
— Nós trabalhamos juntos, Guillermo não é mais meu superior para pre-
cisar de “substituição”. — Conseguia ver a irritação surgir claramente em
sua expressão. Seu capuccino já havia acabado, mas aproveitei para dar
um gole em meu café. — É só uma colaboração externa.
— Se isso te faz se sentir melhor, querido. — Falou no mesmo tom de
desdém, tocando o ombro de Howard com a destra. — Sei o que está ten-
tando fazer.
— Eu não- Quer saber? — Ele se levantou de supetão, arrumando o so-
bretudo em seguida. — Preciso ir à delegacia.
— Vou lhe acompanhar. — Miriam fez o mesmo, de forma delicada en-
quanto me olhava com um sorriso no canto dos lábios. — Tenho que con-
versar com Tao.
— Você conhece Huening? — Me levantei logo depois, já tendo terminado
a bebida. Tirava minha carteira do bolso, procurando a nota que equiva-
lia ao preço do café.
Sem paciência, Howard apenas assentiu com a cabeça em minha direção,
logo se colocando a caminhar para a saída em passos rápidos e pesados.
O sorriso de Cotard crescera, indo atrás do acastanhado sem a mínima
pressa. Ela virou o corpo, fazendo contato visual comigo e tendo a cara de
pau de me dar um tchauzinho.
— Conheci no dia do seminário. — A de íris púrpura falou num tom mais
alto pela distância, se virando para frente quando próxima da saída. As-
sim, os dois foram embora do bar, mas deixaram alguns questionamen-
tos. Quem era aquela mulher e como fez Howard falar praticamente tudo
o que tínhamos para ela?
Passei alguns segundos processando aquela breve e conturbada reunião.
Coloquei o dólar embaixo do pires antes de adiantar o passo para fora do
estabelecimento e entrar, pela terceira vez no dia, em meu veículo. Dessa
vez, a música que tocava na rádio era “Paying The Cost To Be The Boss”
de B.B. King, uma melodia animada e recheada de toques da guitarra,
acompanhada pela exímia banda, The Rolling Stones.
Pensamentos e mais pensamentos rondavam minha mente, mais do que
já estavam antes de adentrarem aquele bar. Miriam era suspeita, mas
não da forma que desejava. Ela aparentava saber mais do que aquilo que
falou em voz alta, além da sua conveniente aparição. Balançava a cabeça
em negação, pensando na possibilidade da mulher ser uma espécie de en-
tidade ou algo do tipo, nem ao menos acreditava num absurdo daquele. A
ideia fez com que um riso soprado escapasse. Era impossível, uma piada.
Distraído com todos os acontecimentos posteriores, o caminho até a con-
feitaria de Rodríguez ao norte da cidade pareceu mais curto que a ida ao
estabelecimento anterior, mesmo que a distância fosse quase a mesma.
Saindo do Impala, observei a frente do local, já ouvindo uma música con-
fortável vindo de dentro da doceria. Verde escuro em tons pastéis toma-
vam a arquitetura simples da loja, combinando com as variadas plantas
abaixo das janelas e próximas à placa com letras cursivas em amarelo
suave escrito “La Dulcería”, tendo a porta da mesma coloração. Admito,
a aparência agradável do lugar já me fez questionar se meu objetivo ali
seria mesmo procurar respostas sobre aquele caso tão confuso ou sim-
plesmente comer um bolo enquanto tomo café e leio jornal.
Entrando ali, o cheiro doce imediatamente adentrou minhas narinas,
nem ao menos sendo enjoativo. No caixa, uma mulher negra, baixa, com
cabelos longos e trançados, me fitava com um misto de expectativa e té-
dio. Me aproximei, olhando o interior daquele ambiente tão familiar uma
outra vez durante a curta caminhada. As paredes, assim como a fachada,
eram de cor verde escuro, quase musgo, com batentes amarelados. Assen-
tos afogados aos cantos em padrão lanchonete eram marrons, percebendo
a paleta de cores de um girassol que o estabelecimento seguia, tendo me-
sas da mesma coloração.