Page 80 - Revista Salesiano

Conversar com Guillermo era como estar numa constante entrevista de
emprego, principalmente quando ele realmente estava interessado em
saber de algo. Pelo menos, ele conseguia dar bem menos medo que alguns
dos meus chefes.
— Quem te interrogou? — O tom de voz dele era sereno, mas assim como
Howard, tinha um cansaço bem aparente. Antes de sentar-se na cadeira
atrás da grande mesa presente no escritório, ele fez questão de ligar a
máquina de café ao lado daquela espelunca que chamava de computador.
— Seu cachorrinho.
Como foi a intenção, recebi um olhar de reprovação do meu pai. Provocar
o velho era um dos meus passatempos favoritos desde que me entendo
por gente. Mas, mesmo assim, não sabia como ele continuava se deixando
levar pelas coisas que eu falava. E falar do maior fã dele conseguia fazer
com que sua irritação surgisse mais rápido.
— Você sabe que tô falando do Howard. Essa sua careta não me convence
o contrário. Olhei-o com um sorriso de canto, fazendo com que Guillermo
negasse com a cabeça e voltasse a atenção para a máquina de café, despe-
jando os grãos do pacote no compartimento do objeto. — Ele tá cada vez
mais parecido com você, tenho que admitir. Até o jeitinho de falar.
Andei a passos lentos e largos até o painel atrás da mesa, percebendo que
já tinha sido reorganizado algumas vezes desde a última vez que entrei
ali. As fotos da câmera que vi no interrogatório já estavam ali junto de
post-its coloridos com nomes, horários e suposições como “Susto/Verti-
gem/Pancada/Briga”. Admito que ri da última parte, olhando involunta-
riamente para os meus braços sem muitos músculos úteis para qualquer
tipo de pancadaria.
Conseguia sentir o olhar analítico de Morales em mim, parecendo pro-
curar qualquer tipo de reação referente as fotos. Fazendo contato visual,
arquei a sobrancelha, questionando em silêncio.
— Algumas vezes, eu me pergunto se você não estaria escondendo algo,
mas sua inteligência é questionável o suficiente pra desistir dessa ideia.
Não sei se me sentia ofendida ou aliviada, já que não teria como me con-
siderar suspeita a aquele ponto.
— Mesmo se eu tivesse, você provavelmente perceberia. — Retruquei
sem pensar muito, suspirando enquanto levava a mão ao queixo, pensa-
tiva. — Como que eu fui parar lá?
— É uma coisa que você deveria ter pensado desde que acordou no hos-
pital, mas parece que seu show era bem mais importante.
— Não fala assim, eu nem teria ido se você não tivesse me lembrado.
— Você ficou falando desse negócio por quase um mês inteiro. — Fez uma
breve pausa para dar um gole no café que tinha na xícara em mãos. —
Fiquei com medo de acabar ficando maluca por não ter ido.
Ele tinha um ponto. Eu acompanho Panic! At The Disco desde seu pri-
meiro álbum, e não ir num show deles aqui na cidade seria um karma que
carregaria pelo resto da minha vida. Acho que foi por esse motivo que eu
não analisei as possíveis razões de ter acordado no hospital naquele dia.
Como resposta, dei de ombros e voltei a observar as fotos e seus post-its
não tão relevantes. Guillermo se levantou da cadeira e parou ao meu
lado, parecendo procurar o que era tão interessante pra mim naqueles
papeizinhos coloridos.